sábado, 5 de junho de 2010

TEXTO PUBLICADO PELA CNI- FIESP A ECONOMIA BRASILEIRA SITE REVISTA INDUSTRIA BRASILEIRA FEVEREIRO 2009 NR. 09 Ano 9

Passo em falso
O setor de calçados, um dos que mais emprega no País, sente os efeitos
da queda na demanda global. Só para os Estados Unidos, as encomendas
caíram 23,2% no ano passado

As exportações brasileiras no ano passado
cresceram 23,2% em relação a 2007, atingindo o valor
recorde de US$ 197,9 bilhões. As importações, porém,
aumentaram muito mais, 43,6%, resultando em uma
preocupante queda de 38,2% no saldo da balança comercial.
O mais perigoso, porém, é que até mesmo o
número positivo das exportações esconde o quadro
destoante de alguns setores, em que a crise econômica
global já se fez sentir. É o caso da indústria calçadista
brasileira, a terceira maior produtora mundial e a quinta
maior exportadora, que teve queda de 1,6% nas vendas
externas. Quando se observa o número de pares
de sapatos exportados, o tombo foi bem maior: 6,4%.
Houve redução especialmente drástica nos pedidos
dos maiores compradores, como os Estados Unidos,
que ficaram no ano passado com 37,7 milhões de pares,
uma retração de 23,2% em relação a 2007.
A indústria calçadista brasileira reúne aproximadamente
7.800 fábricas em 15 polos industriais espalhados
por 12 estados da Federação, empregando
diretamente 303 mil pessoas. Em dezembro, segundo
o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
(Caged), do governo federal, foram demitidos
28 mil trabalhadores. Na cadeia produtiva, há re-
Passo em falso
O setor de calçados, um dos que mais emprega no País, sente os efeitos
da queda na demanda global. Só para os Estados Unidos, as encomendas
caíram 23,2% no ano passado
Por Ca rlos Haag
Divulgação
www.cni.org.br I ndústri a Brasileira 39
COMÉR CIO EXTERIOR
flexos tanto pela queda na venda de insumos para
indústria quanto nas exportações para produtores de
outros países. A indústria de couros teve diminuição
de 11% no faturamento com as exportações no ano
passado até novembro.
Os fabricantes de calçados estão acostumados a
enfrentar adversidades externas, em um setor altamente
competitivo. Desde 2004, quando foram exportados
212 milhões de pares de calçados, o volume
de exportações vinha caindo, mas o faturamento não:
em 2007, foi maior do que nos quatro anos anteriores.
O fechamento dos números do ano passado, porém,
trouxe uma surpresa: inverteu o sinal, e a variação do
volume exportado continuou a cair em comparação
com o ano anterior. “A situação atual expõe a uma
prova de fogo a competência do setor, que alcançou
competitividade ao longo de décadas”, afirma o presidente
da Associação Brasileira das Indústrias de
Calçados (Abicalçados), Milton Cardoso. O diretorexecutivo
do Centro das Indústrias de Curtumes
do Brasil (CICB ), Hélio Mendes, compartilha das
preocupações de Cardoso. “É importante que neste
momento de crise o governo olhe de forma mais
cuidadosa para o setor, que exigiu muito trabalho e
investimento para ocupar um espaço significativo no
mercado mundial.”
Apesar dos números tão ruins, há razão para
otimismo, na avaliação de empresários. “A retração
dos mercados mundiais e instabilidade do câmbio
afetaram os negócios ainda mais do que o câmbio
desfavorável havia afetado. Mas passado esse primeiro
momento de turbulência, os preços mais competitivos,
em função do câmbio mais realista, deixarão
os negócios crescer. Já ampliamos muito os destinos
de nossas exportações para voltar atrás: se em 2002
exportávamos para 115 países, hoje são 150”, analisa
Cardoso. A possibilidade de incremento nas vendas
está referendada no fato de que o exigente mercado
europeu se transformou no maior comprador de calçados
nacionais no que se refere ao faturamento. O
preço médio de cada produto exportado aumentou
5,1%, absorvendo 34,3% do total das exportações, e,
entre janeiro e outubro, entraram no país US$ 551,2
milhões provenientes das vendas de calçados para a
Europa. Além disso, mesmo com a crise, os Estados
Unidos continuam o nosso principal comprador em
volume, tendo adquirido mais de 37,7 milhões de pares
vendidos no ano passado.
Entre as várias ações preventivas recentes feitas
pela indústria está o recém-assinado convênio com
a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e
Investimentos (Apex), com US$ 53,2 milhões para
intensificar atividades de inteligência comercial dentro
do Programa Setorial Integrado de Promoção às
Exportações de Calçados. Dentre as ações previstas
no projeto, a mais ousada é o aumento da participação
em mercados escolhidos a partir de estudos feitos pelo
setor: Alemanha, China, Colômbia, Emirados Árabes,
Espanha, Estados Unidos, França, Hong Kong,
Itália e Reino Unido. “Para os próximos dois anos,
esses países terão sido responsáveis pela obtenção de
US$ 1,4 bilhão, um acréscimo de 12,45% em comparação
ao ano passado, quando foi exportado US$ 1,3
bilhão”, anuncia Cardoso. Um detalhe fundamental
nesse plano é o contra-ataque brasileiro ao crescimento
da importação de calçados da China, hoje o
principal concorrente direto da indústria nacional. As
importações, no ano passado, fecharam em cerca de
40 milhões de pares, oito vezes mais do que em 2003.
“Essa ameaça aos empregos e ao desenvolvimento da
indústria está mais presente do que nunca”, alerta
Cardoso. Hoje, de cada dez calçados exportados em
todo o mundo, oito são chineses.
Para especialistas em comércio exterior, além de
ficar atento à prática de comércio desleal, é preciso capacitar-
se cada vez mais para enfrentar a competição.
“O Brasil foi no passado uma China para o mercado
Exportações de calçados brasileiros
0
50
100
150
200
250
1,5
1,6
1,7
1,8
1,9
2
2003 2004 2005 2006 2007 2008
milhões de pares US$ bilhões
Fonte : Abical çados
40 Indústria Brasileira f evereiro 2009
produtor europeu, em especial Itália e Espanha, quando
tínhamos os mesmos diferenciais dos chineses na
capacidade de produção, competitividade, baixo custo
de mão-de-obra, entre outros fatores”, nota o economista
Gilberto Elói Milani, da Fundação Getúlio
Vargas (FGV ). “Passamos, neste momento, por algo
parecido, pois enfrentamos os mesmos problemas que
os europeus enfrentaram conosco no passado. A solução
é apresentar investimentos em materiais que não
possam ser produzidos pelos chineses e empregar a
criatividade em matérias-primas alternativas, soluções
para uso no sentido do conforto, beleza e qualidade
do produto nacional.”
Dados recém-divulgados pela Abicalçados demonstram
que os calçados com parte superior em
material sintético lideraram, em 2008, o volume de
embarques, com 99,9 milhões de pares vendidos, um
aumento de 16,2% em relação a 2007, deixando em
segundo lugar os calçados de couro, com 54,5 milhões
de pares exportados, uma queda de 23,7% no seu volume,
o que explica a queda do faturamento nos polos
do Rio Grande do Sul, historicamente campeões, hoje
superados pelos polos do Ceará, responsável pelo envio
de 57,3 milhões de pares, 34% do total. O setor
de couros conseguiu se adaptar à queda na demanda
da indústria calçadista, e passou a se focar em novos
mercados. Hoje, 60% do couro bovino produzido no
Brasil são destinados ao estofamento de móveis e de
veículos, segmentos que veem no couro um diferencial
para a valorização dos produtos.
A parceria com a Apex no setor calçadista tem
por objetivo neutralizar a ameaça das importações da
China. O país também vem aumentando as suas importações
mundiais, um crescimento de 118,5% entre
2001 e 2005. Mas o Brasil tem pouca participação
nisso: em 2007 vendeu apenas 71 mil pares. Hong
Kong é um grande mercado potencial, por ser porta
de entrada de produtos na Ásia. Em 2007, aumentou
em 7,06% a sua importação de calçados. “Nós,
no entanto, só exportamos 413 mil pares para eles”,
nota Cardoso. A intenção da parceria com a Apex é
justamente atacar de forma direta esses dois mercados,
e outros dois igualmente importantes: os Emirados
Árabes, onde houve crescimento de consumo (e para
onde o Brasil exportou um milhão de pares), e Estados
Unidos, onde a indústria brasileira pretende se
concentrar na exportação de calçados de maior valor
agregado, pois a exportação de produtos mais baratos
diminuiu sensivelmente, em função da concorrência
chinesa. Também está na lista de prioridades a intensificação
da produção de calçados para uso militar.
“Houve grande êxito na venda desses produtos nas
guerras no Iraque e Afeganistão, com grande potencial
futuro”, observa Milani, da FGV .
CONSU MID ORA
em Pequim:
China é a maior
competidora
do Brasil, mas
também mercado
potencial
Michael Reynolds/epa/Corbis
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COMÉR CIO EXTERIOR
Raízes na imigração alemã
A indústria calçadista começou a crescer a partir de 1824 no Rio
Grande do Sul com a chegada de imigrantes alemães, em especial
na região do Vale do Rio dos Sinos, ganhando força com a Guerra
do Paraguai. Após o fim do conflito, foi preciso conquistar com
competência os mercados internos e se considerou investir em
industrialização, o que levou, em 1888, à criação da primeira fábrica
de calçados do país no Vale dos Sinos. Há 40 anos, os compradores
norte-americanos foram apresentados às empresas desse cluster
embrionário durante a Feira Nacional de Calçados e começaram as
primeiras vendas externas de calçados nacionais. “O ano de 1969
pode ser considerado o início da conquista e ascensão dos calçados
made in Brazil”, afirma Mario Cordeiro Carvalho, da Associação de
Comércio Exterior do Brasil (AEB).
Os empresários “sapateiros” focaram suas ações no fortalecimento
dos encadeamentos econômicos com a fábrica. “Primeiro,
aumentaram o tamanho das fábricas e a capacidade das linhas de
montagem, para assegurar escala e custos decrescentes. Depois,
acabaram criando indústrias específicas de produção de insumos
necessários à sua produção no entorno da região. Chegaram
mesmo a trazer couro curtido da Argentina para pressionar os
fornecedores brasileiros a melhorar preços e a qualidade dos
produtos nacionais”, conta Carvalho.
Apesar de a concentração de empresas de grande porte estar
localizada no Rio Grande do Sul, a produção nacional de calçados
vem gradativamente sendo distribuída ao longo do Brasil em outros
polos, localizados nas regiões Sudeste e Nordeste, com destaque
para o interior do estado de São Paulo (Jaú, Franca e Birigui) e em
estados como Ceará, atual campeão de vendas, e Bahia. Há também
um aumento notável na produção de estados como Santa Catarina (São
João Batista) e em Minas Gerais (região da Nova Serrana). Um caminho
encontrado pelo setor para disputar os mercados é o investimento
em tecnologia que permitiu aos empresários calçadistas, em 2007,
aumentar o faturamento em exportações, a despeito da queda do dólar.
Entre as iniciativas da indústria calçadista para aprimorar a produção
nacional está a abertura, no início deste ano, do primeiro laboratório
de controle de substâncias nocivas ao consumidor, em Novo
Hamburgo, Rio Grande do Sul. Foi investido R$ 1,3 milhão para que
o novo centro possa detectar a concentração de elementos como
níquel, chumbo, cromo e outros materias dos calçados. “Conforto
e segurança são essenciais no setor, já que não se admite a venda
de calçados que possam machucar o pé das pessoas”, nota Aluísio
Ávila, do Instituto Brasileiro de Tecnologia do Calçado. Outro bom
exemplo é a manta de titânio nos calçados, fruto de três anos de
pesquisa, que transforma o calor do corpo em energia infravermelha
para melhorar a circulação do sangue. “A diversificação da produção
é um fator competitivo importante que permite ao Brasil produzir
todos os tipos de calçados necessários”, observa Cardoso.
Divulgação
A reação se dará não apenas no setor dos produtos
finalizados. A indústria do couro é uma das mais
antigas do Brasil, com origens no século 18, mas foi
nas duas últimas duas décadas que o setor firmou-se
como um dos grandes players na economia globalizada.
O plano estratégico do setor inclui a articulação
para que seja criado um “G4 do couro”, reunindo
os quatro países responsáveis por 60% da produção
mundial: China, Brasil, Índia e Estados Unidos.
“Queremos, com isso, dar outro formato à indústria
criando um padrão que leve o couro a ser negociado
em bolsas, a exemplo de outros produtos como café
ou soja. O número de empregos e divisas que o couro
gera mostra que ele não é mais um subproduto da
carne e necessita ser pensado de forma mais estratégica”,
analisa Mendes, da CICB .
A ameaça chinesa, porém, continua mais forte
do que nunca. “Há um mito de que a crise chinesa
vai beneficiar o Brasil. Eles enfrentam dificuldades,
sim, mas isso aumenta os riscos para nós. A
retração das encomendas de calçados chineses por
parte da União Européia gera uma quantidade de
excedentes que tende a ser despejado em mercados
que ainda não são abastecidos pela produção local,
como o Brasil. Os ‘estocados’ podem acabar aqui”,
alerta Cardoso.

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